quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Xekmat na Regata Santos Rio 2020

A ideia

Meu filho mais novo, Tiago, de 14 anos, inocente quanto ao esforço que seria essa regata, propôs a participação. Convidei meu grande amigo Riquinha, que topou de imediato, e mais ninguém. O desafio era esse de ir com tripulação miúda mesmo. Apesar de alguns amigos se candidatarem para tripulantes, descartamos esta possibilidade.


Previsão de tempo para o dia da largada 10 dias antes



Animados, preparamos e equipamos o veleiro Xekmat para a empreitada: Trocamos as adriças, examinamos minuciosamente cada detalhe, reforçamos as velas, fizemos uma buja, manutenção no motor…Caio ajudou nas costuras dos cabos e nas ideias. Por fim, nas vésperas de ir, subimos o barco para uma lixada na tinta velha do fundo do casco de modo a reduzir o arrasto.





Tiago instalando elásticos nos runners back stays



Embarcando as tralhas para a viagem




A ida para Santos

Partimos no percurso inverso do Rio para Santos no dia 20/10/2020 às 1010 horas. A largada seria dia 23.

O vento já soprava de leste há dias. Uma correnteza forte estava estabelecida a nosso favor (na ida).


Achamos uma âncora “boiando”!

Logo após a passagem pelas Ilhas Cagarras, um susto! O motor parou subitamente. Um cabo grosso enroscou na hélice. Com a proa do barco no vento mergulhei para uma checagem. 

O cabo passava pela frente da quilha com uma parte desfiada do chicote embolada na hélice que agora parecia com o Gulliver amarrado pelos Liliputianos: totalmente travada! 

A faca não fazia nem cosquinha naquele enrosco, portanto, busquei uma ponta solta e comecei a puxar. Com muito esforço, o pé apoiado na rabeta, mudando de bordo a cada mergulho, fui desenrolando até que a última volta se desfez. Com o cabo na mão, passei para o Riquinha antes que a deriva do barco esticasse contra o que vinha do fundo.

Recolhemos uns 30 metros de cabo até aparecer uma garatéia de vergalhão bem grande.




A âncora que achamos “boiando”




Tiago e os golfinhos





Grande timoneiro!




Pôr do sol rumo 270




Chegada no Guarujá




Chegamos em Santos às 1700 horas do dia 21, já nos preparando para arrumar o barco para a vistoria no dia seguinte.


Preparando para a largada

Entre os itens de segurança exigidos pelos organizadores restava uma pendência: Um tal registro de bloqueio de combustível no tanque. O registro eu já tinha comprado, mas faltavam as conexões da mangueira. Compramos as conexões e instalamos, arrumamos o barco, descansamos bastante, separamos roupas, agasalhos, cintos de segurança, lanternas, discutimos estratégias de regata, abastecemos de diesel e ficamos prontos para a vistoria. Depois de inspecionados e aprovados para largada, fomos nos arrumar para a festa de abertura. 







Os barcos no Iate Clube de Santos. 68 inscritos, 21 em nossa categoria (BRA-RGS). Um recorde!





No jantar de abertura




Desfile dos barcos antes da largada




A largada

Antes da largada houve um desfile dos barcos passando na frente do pier dos pescadores, em Santos. O desfile é uma ótima ideia que aproxima o público do evento. No estilo REFENO, um a um os barcos passavam entre boias de marcação na frente do público enquanto um locutor com auto-falante, no caso o Kadu do ICRJ, fazia um breve descritivo do barco e desejava uma boa regata.

Estávamos, como de costume, com o motor ligado em ritmo lento até a hora do tiro de preparação. Isso garante manobrabilidade para o barco quando “passeando” entre os outros próximo à linha de largada. Pouco antes da hora de desligar o motor parou sozinho! O tal registro “deu” entrada de ar! Não havia tempo para o reparo! Os menos entendidos podem estar perguntando - para que o motor numa regata a vela? Esclareço: O motor é usado durante a regata para carregar as baterias, desengrenado, claro! Sem ele fomos obrigados a racionar energia.


A regata: Ondas, vento e correnteza contra

Sabíamos da previsão do tempo e não nos assustamos com o vento, as ondas e a correnteza. Estávamos cientes de que não seria um passeio no parque.

Apesar de jovem, o Tiago é marinheiro safo. Herdou de mim a grande vantagem de não enjoar. Riquinha, com 67 anos, tem uma disposição incrível e a experiência de quem já completara 29 vezes a Santos Rio. Tenho confiança no barco, com o qual já velejo há 10 anos. Resultado: Estávamos prontos para o que desse e viesse.


No início ainda ficamos sentados na borda escorando com as pernas para fora (para sair na fotografia), mas ao escurecer esse esforço perdeu a importância. Não que ficássemos relaxados em sotavento, nunca, mas não fazia diferença o esforço e o cansaço de ficarmos molhados na borda. O Xekmat é incrivelmente seco dentro e fora.


Como nossa tripulação e barco são muito leves, optamos por ir mais próximo da costa fugindo da correnteza. Decisão acertada!


Como na fábula "A Lebre e a Tartaruga", no início, quando todos os barcos estavam com suas tripulações ativas nas bordas e nas tarefas, nós parecíamos estar ficando para trás. Depois que os outros barcos começaram a falhar e suas tripulações, na maioria, começaram a titubear, o Xekmat com sua pequena tripulação continuou andando.


A estratégia de ir próximo à costa funcionou: Já por dentro de Montão de Trigo velejamos com vento NE, enquanto aparentemente os que optaram por ir por fora, de Leste. Observando o andamento de alguns barcos que dispunham de transmissor de AIS, ficou clara a vantagem de ir encostado. Tivemos sorte de pegar uma correnteza fraca no Canal de São Sebastião até o terminal marítimo. Depois foi mais penoso romper a correnteza com o vento fraco, mas tivemos a recompensa de poder descansar sem as batidas violentas contra as ondas, jantar com direito a “sentar na mesa com um prato de lasanha quentinha”, entre outras mordomias... enquanto os que optaram a ir por fora relatavam verdadeiras tragédias e perrengues através do rádio VHF. 

52 cambadas depois saímos do canal com vento fresco lendo 090 na bússola. Opa! Rumo de casa!




Rastro do Xekmat no Canal de São Sebastião, ida e volta.




Próximo à Ponta da Joatinga o avanço era muito pequeno com as ondas e o vento uivando nos estais. Hora de se apegar e buscar a estratégia! Rumamos para dentro da Ilha Grande!


Por dentro da Ilha Grande pudemos mais uma vez experimentar um mar liso para descansar, cozinhar, trocar de roupa, enquanto os relatos de quebras e desistências reinavam no VHF. Geralmente a Ilha Grande faz sombra no vento Leste, mas desta vez teve um ventão afunilado por dentro da Ilha. Maravilha!




Pai e filho na volta passando pela Laje da Marambaia. A água da superfície do mar estava fria.





Desviamos da sombra da Ponta Grossa da Marambaia e seguimos próximos da praia da Restinga até Guaratiba. Com vento bom, fomos até um pouco depois das Ilhas Tijucas. Neste momento, ficamos empolgados escutando os barcos grandes da categoria RGS anunciando a proximidade da linha de chegada. Tínhamos chance de ganhar a regata!

Depois de 180 milhas estávamos a 10, no máximo 15 milhas dos grandes!


Lote em Ipanema

Foi aí que a sorte que havia nos acompanhado até então virou o jogo! Às 2000 horas o vento acabou e começou nosso sofrimento! 

Em linguajar da vela, “comprar um lote” significa ficar com o barco imóvel, sem vento. Um lote em Ipanema com vista para o Arpoador vale “um dinheiro”. No nosso caso, custou algumas posições na regata. Um péssimo investimento imobiliário!

Foi nessa hora também que “caiu meu disjuntor”: Sem vento, com as velas batendo violentamente a cada balanço do barco,  exausto com a privação de sono, sentei no fundo do cockpit e desmaiei por alguns minutos.


Felicidade é uma relação entre expectativa e conquista

Apesar de todo esforço, só cruzamos às 0305 da manhã de segunda-feira em quarto lugar.

Um tanto frustrados devido à empolgação de ter chegado tão perto da vitória, mas ao mesmo tempo felizes por termos chegado em segurança, o que era nossa expectativa.




Tiago na entrega de prêmios com o merecido troféu.











terça-feira, 13 de outubro de 2020

Regata comemorativa dos 100 anos do ICRJ

 Treino para a Regata Santos Rio com a tripulação confirmada, ventos fortes, ventos fracos... planada de balão... Tudo que tem direito!




quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Xekmat confirmado na edição 70 da Regata Santos Rio






 A tripulação intitulada de EQUIPE TWO AND A HALF MEN  é composta de Riquinha, Tiago e Roberto Bailly.

A largada será no dia 23/10/2020 em Santos - SP.

Será a primeira participação do Tiago em regatas oceânicas.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Veleria raíz

Outro dia recebi de um amigo por WhatsApp um vídeo do processo de acabamento
de confecção de uma vela de barco à moda antiga. O Vídeo é do Hardanger
Maritime Centre and museum, uma das maiores redes de especialistas em
restauração de embarcações nos países nórdicos. Arte naval pura!


“Veleria raíz”, dizia o comentário do meu amigo.


Lembrei logo de Jack Wedekind!


Em 1986 eu parti para uma aventura nos Estados Unidos e lá arrumei emprego na
Wedekind Sails and Canvas CO, a veleria do Jack.


Jack, que nesta época já tinha mais de 50 anos de idade, cresceu no meio dos barcos
do norte de Long Island - NY. Mais tarde, como uma extensão de um fascínio já
estabelecido por veleiros clássicos, se aperfeiçoou nas técnicas tradicionais de “sailmaking”
numa veleria na Europa. No início da década de 70 montou sua própria veleria em
Port Jefferson - Long Island, lugar cheio de histórias e tradições da época da pesca
da baleia e da navegação a vela. 


  


Na veleria a maioria das velas que confeccionava-mos eram para barcos clássicos ou
de cruzeiro longo, muitos com casco de madeira ou aço. Alguns armados em Gaff Rig
com um enxoval extenso de velas. As vezes eram feitas de um dacron pesado marrom.
Na época esta era a cor ideal para aquelas tripulações que ficavam longos períodos
olhando para as velas dos barcos sem ofuscar ou cansar a vista com a grande reflexão
do habitual tecido branco. O acabamento das velas era rebuscado, repleto de costuras
a mão e couro. Um trabalho de artesão que conferia às velas um aspecto clássico antigo.


Um acabamento similar era conferido às capotas que, diferente do que acontecia aqui
no Brasil, eram valorizadas, feitas com técnica e orgulho.




Num canto da fábrica tinha uma bancada de veleria antiga, uma relíquia de 200 anos de idade.
Nesta bancada de madeira havia buracos de embutir ilhoses de vários tamanhos; os
batoques de madeira cônicos com os rebaixos para enfiar os ilhoses de latão; ferramentas
de costura em couro como agulhas, sewing palms e linha encerada; martelos de madeira;
alicates especiais e agulhas para costura em cabo. Uma caixa grande de madeira com
divisões guardava sem muita organização acessórios e insumos de veleria do passado
como garrunchos, argolas e ilhoses de latão. Uma volta ao tempo.


É claro que eu mergulhei fundo nisso tudo e por muito tempo achei que aquela cicatriz no
dedo indicador direto, resultado das inúmeras esticadas na linha encerada sempre no
mesmo ponto, seria permanente.


Jack dominava a arte como ninguém. Ele era chamado para apresentações em eventos
da tradição marinheira onde demonstrava exatamente estes processos do vídeo. Montava
um estande de exposição com a tal bancada, uma vela pesada antiga de tecido de algodão
grosso encerado, cabos trançados antigos e, vestido a caráter com roupas da época,
avental de couro, grandalhão, brancão, com barba e cabelo grisalhos, demonstrava a
trabalheira que dava para costurar a mão cabos trançados no tecido, punhos de couro
e toda uma gama de arte naval com habilidade incomum. Um gole de Rum de vez em
quando completava a caracterização.


Em 1989 o prédio no porto que abrigava a veleria foi vendido, obrigando Jack a mudar
para outro ponto em Port Jefferson Station. Com a mudança as encomendas ficaram
atrasadas então Jack me convidou para ajudar. Trabalhei por mais 4 meses neste ano
quando então o foco estava nas capotas, não mais nas velas. Mesmo assim, fizemos
um workshop da arte antiga de confecção de velas em Sag Harbor, leste de Long Island.
O evento comemorava os 200 anos da casa da alfândega local.




Registros fotográficos no meu álbum.


















Custom House em Sag Harbor


A Custom House fica ao lado do do museu histórico e da atividade baleeira.



Arte naval raíz!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Desafios e conquistas



Morro do Pão de Açúcar do Mamanguá





Com os barcos fundeados na frente da entrada da trilha na Praia do Cruzeiro subimos

o Morro do Pão de Açúcar numa manhã ensolarada acompanhados da tripulação do

veleiro Lady Lou.















Cada um com seu desafio: Tiago subiu reclamando do esforço, sendo necessário

incentivá-lo a cada instante para que não desistisse. Ana Cláudia com seu medo de

altura ansiosa com a “hora da pedra” e eu preocupado com a descida.


É que por alguma razão que não sei explicar, na descida, quando geralmente a

sensação é de alívio, para mim é de suplício. Minhas pernas sofrem. Incrível!

Pode ser que isso tenha alguma relação com um grave acidente de moto que sofri

quando jovem, mas o fato é que para a maioria “para baixo todo santo ajuda”, mas

eu desço as trilhas gradativamente perdendo as forças até ficar com as pernas

bambas. Mesmo uma trilha fácil como a do Pão de Açúcar.


A trilha é realmente fácil. As raízes da mata fechada formam degraus perfeitos de

uma escadaria e os galhos servem como corrimão. Subimos descalços sem

problemas com os chinelos nas mãos para o caso da pedra estar quente.

Sem pressa, a não ser pelo Caio que, demonstrando sua disposição juvenil, foi

rápido na frente, em coisa de uma hora de caminhada tranquila, incluindo pequenas

pausas para descanso e hidratação, já estávamos lá no topo.


A sensação de atingir o cume é empolgante. Para Ana Cláudia uma vitória pessoal.

O medo de altura sempre foi para ela um impeditivo para curtir a paisagem de

lugares mais altos e algumas tentativas frustradas de subir o Costão da Praia de

Itacoatiara, uma pedra perto de casa bem mais baixa do que essa de Paraty,

comprovaram a intensidade do tormento.


Mas desta vez estávamos acompanhados de Andrea e Martine Grael. As duas

foram fantásticas e ajudaram Ana Cláudia a superar a fobia com técnica e

talento: Trabalhando carinhosamente detalhes como respiração e postura,

progressivamente ela foi sendo encorajada a enfrentar o medo e ir subindo.

Ao chegar no cume foi gradativamente passando por um processo de adaptação,

desfazendo-se do estado de alerta parecendo uma estrela do mar agarrada

firmemente à pedra, para uma reação equilibrada e, por fim, confortável quase

que como se estivesse na sala de casa. Super!


Que beleza começar o ano superando um desafio desse!













A estonteante vista é uma recompensa. De lá do alto dos quase 440 metros é possível

observar a geografia peculiar do Saco do Mamanguá, nosso único Fiorde Tropical, a

Reserva Ecológica Estadual da Juatinga com a exuberante vegetação da Mata Atlântica

e os gigantescos manguezais.


Os barcos fundeados lá embaixo pareciam menores ainda diante da imensidão em volta.






Na descida não foi nada diferente do que eu previa: Ana Cláudia e Tiago, felizes e

orgulhosos de terem superado seus próprios limites, foram me zoando enquanto eu,

com as pernas frouxas, como se com folga nas juntas, descia me agarrando aos

galhos da mata para não despencar de vez.


Mas a dor e a troça foram preço baixo a pagar pelo maravilhoso passeio

entre amigos e família e uma verdadeira pechincha contra a constatação do progresso

de Caio, que há poucos anos se arrastava aos prantos para fazer pequenas

caminhadas e agora faz sem esforço ou lamento; a conquista e alegria do Tiago te ter

concluído o desafio da subida e, sobretudo, a façanha de Ana Claúdia de ter ficado

de pé, poderosa sobre o topo do Mamanguá!